Embate

'Racismo religioso', avalia Benny Briolly sobre rejeição ao Dia de Maria Mulambo

Parlamentares opositores ao PL rechaçam acusação

Benny Briolly (Psol), autora da proposta, critica a recusa da Casa
Benny Briolly (Psol), autora da proposta, critica a recusa da Casa |  Foto: Arquivo/Pedro Conforte
 

A criação do Dia Municipal de Maria Mulambo foi rejeitada, nesta quarta-feira (13), por 12 a 5 votos na Câmara de Niterói. Maioria dos vereadores seguiu parecer contrário da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na segunda fase de discussão do PL.

Benny Briolly (Psol), autora da proposta, critica a recusa da Casa. Ela aponta racismo religioso.

"Não existe em Niterói e dentro dessa Casa Legislativa um projeto de data para ser acrescentado no calendário da cidade que tenha sido recusado. Pra gente, é mais uma vez uma discussão política que traz a tona todo racismo religioso existente na sociedade brasileira", disse a parlamentar.

A entidade de religiões de matriz africana é tratada como uma figura de proteção e uma orixá da comunicação e da abertura de caminhos.

Maria, como era conhecida, foi uma mulher dedicada à caridade e amor ao próximo. Caso o projeto fosse aprovado, ela seria homenageada no dia 12 de novembro de cada ano em Niterói.

Conforme o parecer da CCJ, a figura religiosa não está inclusa na tradição da cidade. 

"A figura que se pretende inserir no calendário municipal de Niterói não está introduzida na tradição, na vida cultura, econômica, religiosa e social do município, ou seja, não se justifica a sua inclusão por mero capricho da legisladora", diz o relatório.

A justificativa, portanto, gerou revolta entre apoiadores. 

"A minha pomba gira, o meu axé, o nosso terreiro no Brasil que há 134 anos foi escravizado, morto, açoitado é capricho? Olha a justificativa que a gente recebe. As pessoas precisam entender a marginalização que existe sobre aqueles que querem expressar a sua fé, liberdade da sua crença, assim como existe a liberdade em outros setores da cidade", lamenta Benny.

O vereador Paulo Eduardo Gomes (Psol) tratou o parecer da CCJ como 'vergonha'.

"Esse parecer da CCJ é uma vergonha, porque tem que analisar a constitucionalidade e a legalidade de um determinado projeto de lei. A CCJ jamais em toda história entrou no mérito. E pior: entrando dizendo que é um capricho da legisladora. Isso é algo que se coloca no discurso dos vereadores", pontuou.

Presidente da CCJ, Dr. Nazar (MDB) defende que o parecer técnico foi feito em conjunto com advogados. Ele diz que a Casa deve atender aos interesses do coletivo.

"Eu lamento que seja cogitado a questão de racismo religioso. Acho imoral integrarmos o parlamento de uma cidade com mais de 500 mil habitantes, com tantos problemas graves que assolam a população e perder tempo com questão de foro íntimo e pessoal de uma única vereadora. Temos que legislar, parlamentar e atender os interesses do coletivo e não de uma única parlamentar e grupo muito restrito de religiosos", aponta.

Já o parlamentar Fabiano Gonçalves (Cidadania) apresenta uma análise histórica para justificar a recusa ao projeto, citando a Constituição da República Federal do Brasil de 1988.

"Eu entendo que o Estado brasileiro é laico, outrora foi um estado confessional. E, à época, houveram iniciativas de dias de santo. Daí quando o estado passa a ser laico, não pode haver preferência a nenhuma religião. É igualdade. O que é diferente do estado teocrático, aonde a religião está acima do Estado. Voltando ao Estado brasileiro, regido pela Constituição de 88, eu não tenho condições de votar ao projeto da vereadora, e com todo respeito que eu tenho a ela", explicou.

Dirigente do Centro Espírita Irmã Pêpa, no Fonseca, Paulo Roberto aponta dificuldades vividas na pele por adeptos de religiões de matrizes africanas.

O local tem 106 anos de história, sendo um dos mais antigos em Niterói. Ele aponta para o cuidado das autoridades aos casos de terreiros depredados, e frequentadores agredidos até mesmo fisicamente.

"Temos até protocolado na prefeitura um pedido da União de Umbanda sobre a viabilidade de uma sede da cultura afro. As atividades que a gente faz, como passeatas, festa de Iemanjá, sempre encontramos uma certa dificuldade na cidade para conseguir algo. Sempre há uma desculpa de não ter verba e etc. Nesse projeto que homenageia uma entidade eu não vejo tanta importância. O que queremos mesmo é o respeito, porque agem como se tivéssemos menos expressão", diz. 

Para o vereador Leandro Portugal (PV), a autora do projeto errou, ao tentar, segundo ele, impor uma fé religiosa.

"A vereadora Benny tem o direito de acreditar no que julgar mais pertinente. Mas errou muito quando tentou emplacar o projeto originário, em primeira discussão, dizendo que a entidade iria adentrar nos gabinetes e rondar a Câmara para trabalhar a cabeça dos vereadores no convencimento, numa imposição de fé religiosa. O meu gabinete é o 35 e lá não entra. Está amarrado em nome de Jesus Cristo. Isso não tem nada a ver com racismo religioso", apontou.

Já Leonardo Giordano (PCdoB) destacou o fato da Umbanda ter sido fundada na cidade de Niterói.

"Uma religião afro-brasileira, mais que centenária, fundada em Niterói. Não é uma ofensa a nenhuma religião, ataque a ninguém. No mérito, não há afronta porque é um dia que homenageia. Se há dia de tanta coisa, por quê quando chega nessa não pode?", questionou.

O vereador Douglas Gomes (PTC) aponta que o discurso da base apoiadora não foi amigável. 

"Quem trouxe esse debate falou que quem se posicionasse contra estava colaborando com o racismo. Mentira, ninguém aqui é racista. Esse projeto já se arrasta há bastante tempo e eu conversando com muitos vereadores a gente conseguiu a maioria dos votos e tivemos a vitória definitiva e reconhecendo que o único senhor da nossa cidade se chama Senhor Jesus Cristo. E Maria Mulambo foi derrotada", contou.

Casos de intolerância

Em 2021 foram contabilizados 33 ocorrências de ultraje a culto religioso em todo o estado do Rio de Janeiro, segundo levantamento do Instituto de Segurança Pública (ISP). 

A tipificação criminal é determinada pela ridicularização pública, impedimento ou perturbação de cerimônia religiosa. Na comparação com 2020, o delito apresentou um aumento de 10 casos. 

No total, as delegacias da Secretaria de Polícia Civil fizeram 1.564 registros de ocorrência de crimes que podem estar relacionados à intolerância religiosa no ano passado, ou seja, mais de 4 casos por dia.

Neste número estão incluídos os casos de injúria por preconceito (1.365 vítimas); e preconceito de raça, cor, religião, etnia e procedência nacional (166).

A injúria por preconceito é o ato de discriminar um indivíduo em razão da raça, cor, etnia, religião ou origem. Já o preconceito de raça, cor, religião, etnia e procedência nacional tem por objetivo a inferiorização de todo um grupo étnico-racial e atinge a dignidade humana.

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